Cláudia Rodrigues tem a doença | Foto: Reprodução / Rede Record
A atriz Claudia Rodrigues
apareceu com a cabeça raspada em entrevista exibida no programa “Domingo Show”,
na Rede Record, no último domingo (31) em função de um transplante de
células-tronco realizado em dezembro de 2015, na esperança de se curar da
esclerose múltipla a qual foi diagnosticada no inicio dos anos 2000. Para o
neurologista Antonio Andrade, Presidente da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia,
o procedimento ainda é novo e ainda não possui eficiência completamente
comprovada no combate a doença inflamatória, provavelmente autoimune, que
compromete a função do sistema nervoso e é caracterizada por surtos. Em
entrevista ao Bahia Notícias, o médico esclarece sobre a doença, dando ênfase
as dificuldades para traçar o diagnostico e nos desafios enfrentados por
profissionais e pacientes para tratar a doença. Após conversar com o BN,
Andrade salientou que o ambulatório da fundação que preside, na Rua Deocleciano
Barreto, no Chame-Chame, nº 10, oferece acompanhamento gratuito para pacientes
com doenças crônicas degenerativas todo sábado, das 7h às 14h. Para maiores
informações, ligue 4009-8888.
A doença tem ganhado
destaque com a mais recente entrevista da atriz Claudia Rodrigues e com o
personagem principal da novela das nove da Rede Globo, ‘A Regra do Jogo’, sendo
portador de esclerose múltipla. Isso tem ajudado a esclarecer as pessoas?
Toda doença crônica na
medicina, de um modo geral, precisa sim de informação e de muita dedicação. A
esclerose múltipla é uma doença autoimune que afeta o cérebro, a estrutura
cerebral e a medula, atingindo uma composição do tecido nervoso que é a
mielina. Tem uma comparação que eu sempre faço: É como se você tivesse um fio e
fosse perdendo aquela capazinha [de plástico]. Determinadas áreas do cérebro
vão sendo afetadas e você pode acabar perdendo a função. Isso acontece na
esclerose múltipla de uma forma muito característica que é o chamado
surto-remissão. O que é isso? Você pode ter uma manifestação ocular, por
exemplo. Você perde a visão temporariamente por uma semana ou duas, e de
repente aquilo vai ser reestabelecendo. Aí, nesse reestabelecimento, você se sente
melhor, esse sintoma desaparece e pode passar meses e anos, e de repente ela
volta de outra forma. A doença age com surtos e remissão. É uma doença de
difícil diagnostico, porque além de você precisar ter um neurologista
experiente e o auxílio de exames de imagem que não são baratos e que, apesar de
estarem disponíveis na rede pública, ainda são demorados.
O senhor acredita que a
esclerose ainda é associada ao termo antigo e inadequado para designar
problemas psiquiátricas ou a arteriosclerose, que tem a ver com envelhecimento?
Informar, educar, o paciente
é o melhor remédio. O doente faz uma série de alusões. Você falou de um quadro
de esclerose cerebral, que são as demências de um modo geral. Alguns pacientes
com esclerose múltipla podem desenvolver quadro demencial, mas são poucos
pacientes. Quando se diz esclerose múltipla é porque você tem uma
desmielinização.
O senhor poderia explicar o
que é a mielina, qual a função dela no corpo e o que acontece quando ela é
atacada?
A mielina é a capa de proteção
do neurônio. Existem dois tipos de célula principal: os neurônios, que
representam 50% da atividade cerebral e as chamadas células Gliais que
representam os outros 50%. Nessa doença que tem um processo autoimune ligado a
um processo de inflamação vai havendo a destruição dessa mielina, que é a capa
de proteína que esse neurônio conduz o estímulo motor. A coisa é muito mais
complexa, mas de uma forma muito mais simples e objetiva é isso que deve ser
passado para o público: Que você tem uma perda dessa mielina, dessa cobertura
do neurônio, do axônio [prolongamento único de uma célula nervosa, por onde se
transmite o influxo nervoso]. Com isso ocorre a perda da função que pode ser
sensitiva, motora ou de outras funções que normalmente são importantíssimas para
o ser humano. Ou seja, se atingir as áreas do sistema emocional, você pode ter
os distúrbios psiquiátricos, ou as formas mais graves levando ao esquecimento.
Então é comum que os
sintomas sejam confundidos com o de outras doenças?
Pode confundir. Por isso é
importante que você tenha o diagnostico diferencial. Porque ele pode ser
confundido com algumas alterações. Se você tem as alterações oftalmológicas na
fase inicial, você pode dizer que aquilo é uma Neurite [lesão inflamatória ou
degenerativa dos nervos, da qual decorre paralisia] e na verdade se tratar de
uma forma inicial da esclerose múltipla. Então, a gente tem que prestar
bastante atenção. Podem ser manifestações no braço, na perna, no equilíbrio, na
movimentação do globo ocular. Ou seja, no cortejo da doença neurológica, essa é
uma condição que acontece com muita frequência, e nós temos que está bem
preparados para poder dar o diagnóstico. Mais de três milhões de pessoas no
mundo, aproximadamente, tem essa doença, e ainda não se tem uma cura efetiva.
E qual a causa da esclerose
múltipla? Existe um componente genético mas não hereditária, correto?
Existem várias situações. A
condição genética é uma condição muito menor. A doença é uma alteração mais
autoimune com um componente inflamatório e que atinge principalmente uma
estrutura do vaso, as vênulas [pequeno vaso sanguíneo que faz o sangue pobre em
oxigênio retornar dos capilares para as veias], que pode ser atribuída a alguma
forma de atividade viral ou de uma condição propriamente da imunologia.
Quais os tratamentos
disponíveis mais usados, e qual a opinião do senhor a respeito do uso de
células-tronco no combate à doença?
Existe hoje uma série de
tratamentos. Você tem de tratar o surto, que é a fase inflamatória que pode
ocorrer em cada paciente que tem esclerose múltipla, e que se trata com o uso
de corticoide e fisioterapia permanente. Para tentar evitar a desmielinização
existem várias medicações. Várias medicações que até então não se mostraram
eficientes. Do ponto de vista do transplante de células-tronco, ainda é uma
condição muito nova e nós precisamos, como médicos, dominar a técnica. Porque
na verdade, em alguns pacientes, em alguns estudos, o método não demonstrou
eficiência. Em resumo, de maneira bem clara e objetiva, não há um tratamento
efetivo do ponto de vista medicamentoso. Você tem que diagnosticar, mas
consolar sempre. Fazer com que o indivíduo faça exercícios, tenha uma boa
alimentação e procure ter uma vida psicologicamente mais estável. Na última
reunião que nós fizemos sobre esclerose múltipla, onde foi debatido todo o
aspecto, no fim, conclui-se que na verdade ainda não temos um tratamento
efetivo. Todos esses tratamentos, dos mais simples aos mais sofisticados, todos
eles ainda não tem uma cura do ponto de vista efetivo, mas são um paliativo.
Como toda doença crônica, há
tratamentos complementares. Quais são e a eficácia delas, existe uma
comprovação científica?
Estudos comparando pacientes
que usavam corticoides e que faziam fisioterapia mostrou que a atividade se
mostrou mais efetiva no tratamento. O que melhora de fato é isso: Uma boa
alimentação, uma boa fisioterapia e está em contato com o seu médico para
tratar os sintomas.
Os sintomas podem deixar
sequelas?
A depender do sistema que
você vai desmielinizar, se há uma manifestação motora, você pode se recuperar,
a depender da intensidade, ou ficar com um pequeno déficit. Se você tinha uma
força de 100%, você passa a ter uma força de 10 ou 30 por cento, por exemplo. A
mesma coisa na visão. Você passa a enxergar com mais dificuldade, ou menos
dificuldade. É uma condição bastante variada. Cada paciente é um paciente, e a
depender do grau de agressão você vai ter a sequela. Agora, o que você observa
muitas vezes, é que tratando esse doente mais consciente, sabendo de que essa
não é uma doença que vá matar, ela tem uma durabilidade de em torno de 38 anos.
Ninguém morre de esclerose múltipla. Você pode morrer das consequências da
esclerose múltipla, que são os indivíduos que ficam paralisados naquelas formas
progressivas. Tem uma série de condições. Agora, o indivíduo diagnosticado tem
que aderir ao seu médico, ou procurar um que lhe passe confiança. Na verdade
esse que é o ponto importante e crucial.
Alguns estudos falam sobre
uma discreta influência da exposição solar e da vitamina D. Eles citam uma
prevalência aumentada de esclerose múltipla ao norte do equador. Por vivermos
em um clima tropical, estaríamos mais protegidos da doença?
O organismo do ser humano,
de acordo com a idade, vai perdendo um pouco a função em relação à produção das
vitaminas de um modo geral. A partir de cinquenta anos você perde a fabricação
de complexo B, então você precisa repor nas alimentações. A vitamina D é uma
questão de muita discussão. Inclusive a sociedade, a Organização Mundial de
Saúde (OMS), juntamente com a Sociedade Internacional de Neurologia e a própria
Academia Brasileira de Neurologia, não tem ainda um dado cientifico que
evidenciem dados interessantes. Você não tem ainda um fator de esclarecimento
sobre a situação da doença. Por isso é importante esclarecer. Há um grande
número de pacientes que buscam tomar megadoses dessas vitaminas e ai se
complica porque acaba atingindo outros órgãos. A vitamina D em excesso pode
criar uma quadro de insuficiência renal, ou outras coisas mais graves como uma
calcinose [ formação de depósitos de cálcio em qualquer tecido mole]. Então, são coisas complicadas que na esfera
médica a mídia muitas vezes ajuda, mas também atrapalha. A Neurologia é uma
especialidade rara, complexa e difícil. Você ainda precisa ver aquele que
realmente tem conhecimento para conduzir o paciente, que passa a fazer parte da
vida do médico por muitas vezes. Você tem um paciente que de repente sente uma
dormência nos pés ou nas mãos, ou não sente bem o gosto das coisas, ele parte logo
para telefonar para o médico tamanho é o grau de ansiedade. É quase como ser um
“médico de bolso”. Então veja que nós estamos diante de uma condição complexa,
e uma série de condições que leva a tudo isso. Quando esses artistas tem essa
doença e eticamente permitem o livre acesso de informação as pessoas, isso
ajuda muito.
Existe uma faixa etária de
risco?
A maior incidência ocorre
entre os 20 e 40 anos, porem podendo existir formas mais jovens e formas mais
velhas.
E existe uma maneira de se
prevenir da doença?
Eu sempre digo que há
maneira de prevenir tudo, e a melhor maneira de prevenir a doença é você
esclarecer. Quando você esclarece o indivíduo, ele passa a ter uma alimentação
boa, fazer atividade física, passa a ter uma melhor qualidade de vida e
inexoravelmente melhorar a prevenção de qualquer doença, não só da esclerose
múltipla. A melhor proteção é educar, e educando você está informando sobre
essa doença. (BN)
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