O ex-ministro da Saúde José
Gomes Temporão (PSB-RJ) diz que apoiará a ação pelo direito legal ao aborto de
fetos com microcefalia, que deve ser levada ao Supremo Tribunal Federal nas
próximas semanas. "Me coloquei à disposição (do grupo que levou a questão
ao Judiciário) e vamos continuar em contato", diz Temporão, ministro entre
2007 e 2011, no segundo governo Lula. "Eu apoio que isso seja levado ao
Supremo e que se levante a discussão."Nas palavras do médico, atual
diretor executivo do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS), o
projeto "já nasceria derrotado" caso a discussão acontecesse na
Câmara dos Deputados. "Jamais passaria. Este é talvez o mais reacionário
corpo de deputados e senadores da história republicana", diz.Daí vem a escolha
pelo poder Judiciário. "O Brasil vive um momento na política em que o
cinismo, a mentira e a hipocrisia têm que terminar no contexto do aborto. Temos
que enfrentar a realidade e deixar de fingir que não estamos vendo o que
acontece. Abortos ilegais são feitos todos os dias nas camadas mais ricas da
sociedade."Como a BBC Brasil revelou na última quinta-feira, o mesmo grupo
de advogados, acadêmicos e ativistas que articulou a descriminalização do
aborto de fetos anencéfalos no STF, acatada em 2012, se organiza para levar
ação similar à Suprema Corte em meio à epidemia de microcefalia que se espalha
pelo país.À frente da ação, a professora Debora Diniz diz que a interrupção de
gestações "é só um dos pontos de uma ação maior", que também cobra
políticas que erradiquem o mosquito Aedes aegipty, vetor do zika vírus, e
garantias de acompanhamento e tratamento de crianças com deficiência ou
má-formação por conta da doença.
'Que país é este?'
Durante seu mandato como
ministro, Temporão defendeu publicamente, por diversas vezes, o direito à
escolha pelo aborto legal como questão de "saúde pública". Na época,
chegou a afirmar que a discussão era conduzida no país "de forma
machista"."A presidente Dilma nunca falou sobre o assunto e nenhum
dos ministros que me sucedeu tocou no tema. Eu me arrisquei, botei meu rosto no
debate e nunca recuei", diz hoje, se definindo como um "homem
militante da causa feminista"."A questão tratada nesta demanda ao
Supremo se refere aos direitos da mulher", prossegue Temporão. "Caso
seja comprovada esta relação entre zika e microcefalia, a mulher deve ter o
direito de levar a gravidez adiante ou não."O avanço da microcefalia e do
zika vírus nas Américas foi declarado como emergência internacional pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), em reunião em Genebra nesta segunda-feira.
Segundo a organização, o zika seguirá se alastrando rapidamente pelo continente
e poderá afetar até 4 milhões de pessoas neste ano, com até 1,5 milhão de
vítimas no Brasil.A OMS ainda investiga a "potencial" relação entre o
vírus e os casos de microcefalia, diz Bruce Aylward, diretor-executivo da
instituição."Nesta etapa, o que precisamos é obter mais evidências
científicas e de saúde pública que deem substância à questão que irá ao
Supremo", argumenta Temporão. "Há robustas evidências epidemiológicas
e clínicas, mas ainda não há comprovação determinada e absoluta. Por isso
coloquei que é muito importante ouvir e ler mais sobre o tema."O
ex-ministro, que atendeu ao telefonema da reportagem em um hotel em Quito, no Equador,
cita diversas o médico Drauzio Varella, que afirmou à BBC Brasil nesta
terça-feira que a proibição do aborto no Brasil "pune quem não tem
dinheiro"."Que país é este que faz vista grossa para que a classe
média faça o aborto e coloca na cadeia aquelas que ousam fazer, mas são
pobres?", indaga Temporão, afirmando que o Brasil e a maioria dos países
da América Latina estão entre os "mais atrasados do mundo" na
legislação sobre o aborto legal.
'Falsa impressão'
Para o médico, que não quis
comentar a gestão do atual ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-RJ), "é
um absurdo que a sexta economia do mundo tenha índices tão altos de
infestação" pelo vírus."Basta comparar bairros mais ricos e mais
pobres, a diferença (na incidência da doença) é gritante. Isso coloca em risco
de maneira diferenciada essas mulheres", afirma.Temporão afirma que
haveria "uma falsa impressão" de que epidemia seria fruto da
"negligência das pessoas". Para o ex-ministro, a principal culpa é do
Estado, que não ofereceria "coleta de lixo, fornecimento correto de água e
esgotamento sanitário" de forma adequada."Cerca de 80% dos focos no
Nordeste não estão lá por culpa das famílias. Elas não têm acesso a água de
forma contínua, por isso estocam. O Brasil enfrenta surtos permanentes de zika,
dengue e chikungunya há 30 anos porque estas questões não foram atacadas."
(G1)
0 comentários:
Postar um comentário
O Blog JC Radialista: Não se responsabiliza por comentários de leitores ou terceiros que venha comentar determinado conteúdo apresentado neste espaço...