A comprovação de que o zika
aumenta os riscos de microcefalia em fetos e de Síndrome de Guillain-Barré em
quem contrai o vírus acendeu o alerta para outras três possíveis formas de
transmissão da doença, além da picada do Aedes aegypti: pelo sêmen, por
transfusão de sangue e por leite materno. Pesquisadores já encontraram evidências
de que o vírus pode ser encontrado nesses três fluidos corporais. Mas, como os
estudos relacionados ao zika são escassos — existem no mundo cerca de 200
publicações científicas, contra mais de 2.500 sobre chicungunha e mais de
14.500 sobre dengue, por exemplo —, não há ainda como ter certeza se a
transmissão da doença pode ser feita por essas três vias. — Na Polinésia
Francesa (onde houve surto de zika em 2013), médicos encontraram partículas do
vírus no leite materno. Só que ainda não está claro se existe transmissão para
o bebê porque nem todo vírus encontrado no leite é transmitido. Sabemos, por
exemplo, que quem mama em uma mulher com hepatite C não tem risco aumentado de
pegar a doença — explica a infectologista Rosana Richtmann, presidente da Comissão
de Controle de Infecção da Maternidade Santa Joana.
COM O VÍRUS, AMAMENTAÇÃO
DEVE SER INTERROMPIDA - Contudo, como os efeitos do zika têm se mostrado mais
devastadores do que se pensava inicialmente, a médica recomenda que as mulheres
que estiverem amamentando e perceberem sintomas do vírus — manchas vermelhas,
febre e dor de cabeça e nas articulações — interrompam o aleitamento. —
Enquanto ainda estamos na dúvida, é bom evitar. Os sintomas do zika duram no
máximo cinco dias. Pelo menos durante esse período, acho melhor não amamentar,
porque não podemos negar que há um risco potencial — afirma Rosana. Segundo o
vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia (INI),
da Fiocruz, José Cerbino Neto, a possível transmissão pelo leite materno não
provocaria no bebê outros problemas que não o próprio zika. No entanto,
qualquer doença infecciosa em uma criança pequena pode ser preocupante. — Se a
criança for infectada depois do nascimento, o risco de uma malformação, seja
cerebral ou não, não existe mais. Mas uma infecção por zika, assim como por
dengue ou chicungunha, em um bebê tende a gerar efeitos maiores do que em um
adulto, por exemplo — diz ele.
IMPORTÂNCIA DE SEXO COM
PROTEÇÃO - Já a transmissão sexual do vírus teve seu primeiro relato em 2008,
quando um pesquisador americano do estado do Colorado voltou de uma viagem ao
Senegal com sintomas de zika. Sua mulher, que não saía dos Estados Unidos fazia
mais de um ano, também desenvolveu a doença poucos dias depois. Foi apenas a
partir daí que médicos passaram a cogitar a hipótese de o vírus ser transmitido
sexualmente. Depois disso, o zika ainda foi detectado no sêmen de outros
turistas que passaram pela África e de um homem na Polinésia Francesa. As
dúvidas em relação a como essa transmissão ocorreria, no entanto, ainda são
grandes. Não se sabe, por exemplo, se o vírus chega ao sêmen de todos os
homens, nem se as mulheres também poderiam liberá-lo na secreção vaginal. — Por
enquanto, só temos relatos de transmissão realizada por homens, não por
mulheres. Por isso ainda estamos no escuro quanto a essa possibilidade — conta
Celso Granato, infectologista da Clínica Felippe Mattoso. Ele pondera: existe a hipótese de que, mesmo
se o zika puder ser transmitido durante o sexo, isso ocorra em uma parcela
muito pequena dos casos. — Depois de detectar a possibilidade de se pegar zika
pelo sêmen, temos que determinar a relevância disso. Também é preciso descobrir
em quanto tempo a pessoa poderia transmitir o vírus. Com o ebola, por exemplo,
descobriu-se que o vírus ainda poderia ser passado para outra pessoa mesmo
meses depois de o paciente ter se curado — lembra Granato. — De qualquer modo,
no caso do zika, é melhor usar camisinha no sexo, mesmo porque não se sabe que
forma da doença o parceiro poderá desenvolver, já que cada organismo reage de
modo diferente. Em 2013, um grupo de pesquisadores do Taiti mostrou que o vírus
podia ser encontrado no sangue de 3% dos doadores assintomáticos. O número
surpreendentemente alto sugere um risco real de transmissão durante
transfusões.
NO RIO, HÁ 'RISCO REAL' DE
EPIDEMIA - Para Celso Granato, é preciso investigar a fundo a possibilidade de
um segundo fator, somado ao zika, colaborar para a formação da microcefalia.
Ele destaca, por exemplo, que a Bahia registrou mais casos de zika do que
Pernambuco. No entanto, este último contabiliza 646 bebês com microcefalia,
contra apenas 37 na Bahia. — Será que essa desproporção é apenas uma questão de
subnotificação? Eu acredito mais na hipótese de que outro fator, junto com o
zika, provoque a microcefalia — aposta ele. José Cerbino Neto, da Fiocruz,
considera que o Rio deve se preparar para uma possível epidemia do vírus, o que
pode levar a um aumento no número de casos de microcefalia. Por enquanto, a
Secretaria estadual de Saúde registra 21 ocorrências da malformação, 15 delas
somente no segundo semestre deste ano. — O risco de epidemia de zika no Rio é
real, mas a gente ainda não tem como dimensionar o tamanho desse risco — pontua
ele. — Hoje, a gente ainda tem mais dúvidas do que certezas.
SÓ SE PEGARIA O VÍRUS UMA
VEZ - Pelo que tem observado o professor Maulori Cabral, do Departamento de
Virologia do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da UFRJ, o vírus zika
levaria à microcefalia porque ataca um tipo de célula responsável tanto pela
formação da pele quanto pelo crescimento do cérebro do feto. Por isso, um dos
principais efeitos do zika em pessoas já nascidas é provocar manchas
avermelhadas. Já nos fetos, o vírus pode atacar também as células que
“alimentam” o cérebro. — Essas células começam como monócitos e se transformam
em macrófilos, num processo contínuo durante toda a vida. Quando o vírus
acomete gestantes, ele pode comprometer essas células E, como na fase inicial
do desenvolvimento embrionário estas futuras células da pele e do cérebro são
iguais, a morte destes monócitos prejudica a formação das estruturas que vão
levar alimentos para o tecido cerebral. Desnutrido, sem alimento para crescer
normalmente, o cérebro não se desenvolve e então temos a microcefalia —
acredita Cabral. Ele considera, porém, que assim como acontece com os diversos
tipos do vírus da dengue e com o chicungunha, uma vez tendo sido infectada pelo
zika e sobrevivido à doença, a pessoa se torna imune a ela. Desta forma, ele
afirma que uma mulher que não seja gestante agora e contraia o zika poderá
engravidar tranquilamente no futuro sem risco de seu filho acabar com
microcefalia em razão do vírus. (O Globo)
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